terça-feira, dezembro 07, 2010

Emoção x Razão

Deixem-me contar uma história que acaba de acontecer. Sei muito bem que ao final da história, parecerei ser um monstro, ou pior, um analista do comportamento 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Minha mãe foi ao mercado (desses de bairro mesmo) e no mesmo se encontra uma atendente/empacotadora que tem aproximadamente 40 anos, acima do peso, negra, com um “Black Power” mal cuidado e mal vestida.

Esta mulher adora atender minha mãe e quando a vê, não faltam artifícios para chamar minha mãe de velha (minha mãe tem menos de 50 anos e modéstia a parte aparenta ter no máximo 35).

Hoje não foi diferente, minha mãe foi fazer compras e se deparou com esta mulher no caixa, empacotando a compra que acabara de fazer e que comecem as ofensas, foi algo do tipo:

A – Atendente – M – Mãe

M: Esqueci meu celular na lotérica, ando muito esquecida
A: É que você está velha
M: Você acha mesmo que eu estou velha (e diz o nome da mulher)?
A: Acho sim

Ao chegar em casa (cheguei antes dos meus irmãos em casa), minha mãe me pergunta:

M: você como psicólogo, o que acha da mulher que faz isso, você acha que ela é invejosa? Mal amada?

Eu respondo à minha mãe que não posso responder esta pergunta, que poderíamos levantar milhões de hipóteses e que se alguém na posição de psicólogo respondesse a ela isto, que ele poderia pegar seu diploma e queimar.

Fiz poucas perguntas, levando em consideração a análise do comportamento e a orientei, algo do tipo:

D – eu

D: Mãe, ela faz isto faz tempo?
M: Sim... faz tempo
D: Algum dia a senhora disse pra ela que não gostava desses comportamentos dela?
M: Não
D: Fala com ela, chega nela e diga “olha, não gosto de você falando sobre tal tal e tal coisa, será que você poderia parar?”, se isto não der certo, fala com o gerente, em último caso, sempre existe o vai tomar no cu.
D: Ela pode dizer isso, saber que a senhora se sente mal e então continuar fazendo, pois sabe que a senhora se sente mal, conversa com ela...

Até aí, minha mãe ouviu o que eu tinha dito, pra mim, a análise tinha dado efeito pois:

1 – Tinha feito minha mãe entender que TALVEZ a mulher não soubesse que estava se comportando de forma a machucá-la, inferir que É para machucá-la é um erro.

2 – De forma racional tinha feito minha mãe entender que o comportamento verbal (explicitar a ela) resolveria o assunto.

Comida na mesa, comecei a jantar e chega meu irmão mais velho, minha mãe, neste momento estava de óculos (nunca havia visto isto, mas indicava claramente que estava chorando), meu irmão pergunta para ela o que aconteceu, ela não responde, eu também não falo nada, sinceramente, achei extremamente improvável que ela estivesse chorando pelo ocorrido (de A chamá-la de velha).

Chega então minha irmã e diz o mesmo para minha mãe, só que minha irmã, muito mais persuasiva tira da minha mãe o que a mulher fez (na hora que ela disse o por que de estar chorando, sinceramente achei que fosse “saída pela tangente” e que estava usando o ocorrido para se safar de algum problema “de verdade”).

Minha mãe, ao contar para a minha irmã, faz minha irmã como um jato sair correndo falando que vai até o mercado reclamar com o gerente e bla bla bla. Meu irmão, 2 minutos depois sai atrás também, eu que havia acabado de jantar, fiquei. Alguns minutos se passam e chega um amigo meu em casa, na hora eu falo, “vamos” e ele sem saber de nada me acompanha até o mercado com o carro. O mercado fechado, volto e me deparo com a família toda.

Aqui, não vou conseguir resgatar muito, apesar de ter acabado de acontecer, foram tantas as gritarias, berros e vai toma no seu cu que fragilizaram a memória.

S – minha irmã – T – meu irmão

D: Foram até o mercado?
T: Fomos
S: O Fernando (eu) e eu vamos todos os dias das férias la comprar bolacha e ficar reclamando com ela
D: Ahn? Tu ta falando disso por que ela falou tal coisa da minha mãe? E se ela não sabe que machuca minha mãe falar isso?
S: Como não sabe? TEM que saber...
D: Acho que ela pode não saber, acho melhor falar com ela antes...
S: Falamos com o gerente
D: Falaram com o gerente? Ave, não tem boca usa arma?
S: Que? Que que você ta falando? A mulher tem que saber que não pode tratar assim os clientes
D: É, aí você faz isso e ela não perde o emprego, o que acontece então?
S: Eu vou lá e encho a mulher de tapa, ver minha mãe chorando por causa dessa mulher não vai acontecer
T: Ave Fernando, você acha que ela não perde o emprego se a gente chegar la e sair falando para todos a forma que ela trata minha mãe? Aí você é muito (não lembro o adjetivo, mas era ofensivo)
Meu amigo interrompe aqui e diz “Já quer sair dando tapa na mulher ahahahah”
D: Talvez ela não saiba, ela fala assim com a minha mãe faz tempo, minha mãe mesmo disse isso, como que você infere que ela sabe disso?
S: Por que ela é atendente, ela tem que saber atender e que isso não se faz, quando eu era atendente, eu não fazia isso
T: (interrompe e diz) Isso se chama bom-senso
D: Mas minha mãe nunca disse pra ela que a incomoda, como ela vai saber?
S: Se eu não soubesse quando eu era atendente, eu seria mandada embora, se ela não sabe, problema dela
D: Daí você sai falando com o mais alto..

Gente, aqui, era só gritaria em casa viu

S: Mais alto? Você ta louco?
D: Sim, mais alto, gerente é hierarquicamente “mais alto” que a atendente. Por que você não esperou até amanhã para falar com a mulher?
S: Por que minha mãe tá chorando hoje, não vou esperar porra nenhuma
D: E laia imediatismo...
S: E você fez o que Fernando? Fez alguma coisa pela minha mãe? Não, você não faz nada! Vê minha mãe chorando e não faz nada!
D: Quando eu cheguei, já tinha dado meu ponto de vista pra minha mãe, o meu conselho era o de conversar com a mulher, se não der certo falar com o gerente e por fim mandar tomar no cu ou se esquivar dela, sempre que estiver no mercado...
T: Fernando, desce (aqui em casa, o termo desce significa para ir para a casa de baixo, na qual fica o computador e os vídeo-games) e vai tomar no cu
D: Não, não vou. Vocês tão inferindo que a mulher tem que saber algo
S: Você acha que uma mulher de 40 anos
D: Interrompo aqui e digo, minha mãe me disse que ela não tem 40 anos
S: Ta bom, que seja, de 30 anos, não sabe que isto não se faz?
D: Pode ser. Existe esta possibilidade.
S: Ah, então eu vou ter que chegar la e falar "queridinha, não é para tratar as pessoas assim", tem que ensinar a mulher a fazer o trabalho dela?!
T: Fernando, desce e vai tomar no seu cu.
D: Olha, sou contra sair falando com o gerente da pessoa antes de tentar resolver com a própria pessoa. Estou apenas dando o benefício da dúvida a ela.

Nisso fui descendo.

Minha irmã começou a me xingar de uns 50 nomes diferentes, entre eles, de psicólogo de merda, que entende tão bem o comportamento dos outros que se perde ao tentar ajudar a própria família, e aqui, inseriu mais uns 50 xingamentos em voz alta, daqueles que a rua inteira ouve.

Portanto, razãoxemoção.

O meu racionalismo, no qual, sem se abalar diz à minha mãe, conversa com ela.

A explosão de emoção da minha irmã, no qual sai como um jato indo até o mercado para tirar satisfação com a atendente. Seguida pelo meu irmão mais velho (só pra afimar mais ainda, se meu irmão entrasse na equação caso tivessem a oportunidade de falar com a mulher, é melhor sair de baixo).

Obviamente a ovelha negra da casa sou eu, aquele que nada fez pela minha mãe e que “ficou do lado da atendente”. Totalmente mal interpretado.

Compararam a atendente com uns ladrões (sim, ladrões mesmo, comprovado e tals) maconheiros vizinhos meus. Minha irmã disse “É esse o tipo de gente que ela é”. Eu discordo.

Fecho aqui dizendo que dou o benefício da dúvida para ela não saber o quanto está machucando a minha mãe e mesmo que souber, dá-se a oportunidade da pessoa mudar conversando com ela.

Talvez eu seja muito idealista, achando que todos ouviriam como eu ouviria e parariam como eu pararia. De qualquer forma, sou contra a explosão de sair falando com o gerente que pode desembocar em uma mulher desempregada.

Sou a favor, inicialmente, da diplomacia, depois erguemos as armas, não o contrário.

Entendo perfeitamente que minha mãe, prefere o comportamento dos meus irmãos, claro, parece uma tropa criada para proteger a todo o momento. Mas não adentrarei isto, pois não faz valer.

E vocês, o que acham? Não se resguardem.

3 comentários:

Jordana disse...

eu acho que essa mulher deve ter se sentido em algum momento, vítima de racismo (sendo que ela é negra), por parte da sua mãe. E tal sentimento pode ter se originado em virtude de um simples olhar estranho vindo de sua mãe. Sendo assim, a atendente passou a sentir raiva da tua mãe e teve sede de vingança!
ou pode ser inveja...
ou pode ser pura ignorância mesmo (não saber que chamar alguém de "velho" pode ser ofensivo). Mas se bem que... esta ignorância é extrema, absurda e "fora de órbita"... o_O

Quanto a você, percebi certo altruísmo e bondade da sua parte em relação à atendente. E, claro, empatia também. Algo que não fora encontrado em seus irmãos. Entretanto, estes foram bondosos e empáticos somente em relação à sua mãe. Já você não, pensou mais além, deixou a razão vencer a emoção (ou seria melhor dizer: deixou a inteligência vencer o ódio!?). não pensou só na sua mãe, mas também se colocou no lugar da mulher. Ela pode até perder o emprego, mas supostamente ela tem filhos para criar, e quem sabe, estes são sustentados somente pelo “pobre dinheiro” dela. Quer dizer então que os outros terão que pagar pela conduta dela?

Mas claro, toda pessoa normal ia querer ‘’quebrar a cara dessa vadia’’...

E agora, você ainda é a ovelha negra da família? Ou são seus irmãos?

Jordana disse...

Só para complementar:

Na psicologia e nas neurociências contemporâneas a empatia é uma "espécie de inteligência emocional" e pode ser dividida em dois tipos: a cognitiva - relacionada à capacidade de compreender a perspectiva psicológica das outras pessoas; e a afetiva - relacionada à habilidade de experimentar reações emocionais por meio da observação da experiência alheia.

Fernando Ferreira Fernandes disse...

Xu, sou eu a ovelha negra (sempre fui).

Não necessariamente fiquei do lado de um ou de outro, meu ponto de vista é racional, ele olha para a solução do problema em medidas homeopáticas do mais baixo para o mais alto.

Se não resolvesse na "conversa" por base de "boa fé", a violência é sim usada, mas não antes da conversa.

Quanto aos outros terem de pagar pela conduta dela, volto ao meu ponto, talvez ela não saiba que esteja se comportando errado, por isso se conversa com ela. Neste momento, não tem ninguém pagando por nada, a partir do momento que se fala pra ela e ela continua, daí realmente acho que ela é uma má funcionária e deveria ser sim, mandada embora, realocada, enfim, o que resolver a situação para a clientela.

Outro ponto é, será que é bullying isto? É totalmente direcionado apenas para a minha mãe ou existem outras pessoas que ela também ataca?

E quanto a tentar levantar o por que dela fazer isso, são tantas as hipóteses, que sem conversar com ela, serão apenas hipóteses sem valor algum...

Cognitiva, odeio essa palavra.

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